Lucas Jacinto / Assessoria de Comunicação da Esalq
É preciso racionar água – essa é a afirmação do
professor e meteorologista agrícola Fabio Marin, do
Departamento de Engenharia de Biossistemas (LEB),
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(Esalq) da USP. Marin foi quem comunicou a
imprensa da região de Piracicaba que o último
janeiro, de acordo com o posto meteorológico da
Esalq, foi o mais quente desde 1917, ano em que os
dados meteorológicos passaram a ser registrados no
campus.
Marin afirma que o ano de 1964 teve uma seca
semelhante a atual. Os dados do posto meteorológico
da Esalq, além da temperatura, registraram a média
de chuva em janeiro. “A média histórica é de 230mm,
mas em 2014 este índice ficou em apenas 83 mm”.
Segundo Marin, em dezembro de 2013 choveu 50%
do esperado, em janeiro choveu 33%, em fevereiro
29% e em março 75%. “O que perdemos de água em
janeiro, só recuperaremos no próximo verão. Essa é a
principal época para as chuvas, e elas não vieram.
Temos quatro meses de chuva abaixo da média. Isso
não é um evento comum, é um evento extremo”.
Estiagem e a agricultura
Segundo o professor Tarlei Arriel Botrel, também do
LEB, 70% da água consumida no mundo é utilizada
para fins agrícolas. “No campo, a maior parte da água
é consumida pela irrigação”. Para ele, a irrigação é
um mal necessário. “Ela é a grande vilã do consumo
de água, mas precisamos produzir alimentos e não
temos escolha”.
O professor afirma que a alternativa para esse
problema é otimizar o uso da água e que, para isso,
vários fatores devem ser observados pelo produtor.
“Muito dessa água utilizada no campo é perdida,
existem várias formas de desperdiçá-la. Todas as
plantas de uma mesma cultura precisam de igual
quantidade de água, mas quando ocorre displicência
no momento da irrigação, alguns lugares do plantio
recebem mais água do que outros”. Para o professor,
uma irrigação mal feita representa quebra na
produção por déficit de água.
Em contrapartida, Botrel afirma que existem soluções
para uma produção sustentável em momentos de
estiagem. “Muito tem sido pensado em relação a isso.
A irrigação já utiliza, por exemplo, água não potável,
de qualidade inferior. Mas estão sendo realizadas
pesquisas para avaliar a possibilidade de reuso de
água de esgoto tratada também”, comenta.
Outra solução, ainda segundo o professor, seria a
irrigação de precisão, um dos focos de estudo de sua
carreira. “A ciência supõe que todas as plantas são
homogêneas. Que todas elas devem ser adubadas de
forma igual, que elas têm de receber os tratos
culturais na mesma intensidade. Mas na realidade
existem plantas de tamanhos diferentes e que se
desenvolvem de maneiras diferentes em cada área de
um mesmo terreno”, aponta.
Para o docente, quando identificamos cada área de
um terreno por meio da amostragem de solo, torna-
se possível determinar a quantidade de insumos que
a planta precisará e a quantidade de água também.
“Se damos à planta a quantidade ideal para seu
desenvolvimento, ocorre a economia de água”. Para
facilitar o manejo da água na irrigação de precisão,
Botrel aponta que é possível trabalhar com subáreas
divididas por manchas de solo em um mesmo
terreno, onde cada mancha recebe uma quantidade
pré-estabelecida de água.
Segundo o professor, este conceito é considerado
moderno, pois contraria o que ainda é pensado na
agricultura – que todas as plantas são iguais. Apesar
de ser novidade, já existe tecnologia voltada para
este novo método de irrigação sendo aplicada no
campo.
Microtubo
Desenvolvido na Esalq sob orientação do próprio
Botrel, o microtubo de comprimento variável é um
método de irrigação que visa a economia de água.
Acessível ao produtor e já aplicado em várias
culturas, a tecnologia permite que a vazão de água no
momento da irrigação por gotejamento seja uniforme
em cada parte do terreno, independente do desnível
ou da perda da pressão por conta da energia de atrito
durante a passagem da água dentro do tubo.
“A vazão uniforme se dá porque, para cada
necessidade, o microtubo tem seu comprimento
ajustado. Adaptando cada planta a um microtubo
diferente, mesmo com a variação da pressão devido a
algum desnível, todas as partes do terreno recebem a
mesma quantidade de água. Essa é a maneira que
encontramos para manter uma irrigação uniforme”,
explica.
O professor afirma ainda que, além da economia de
água, o baixo custo também é um benefício. “O
microtubo é mais fácil de adquirir e de construir do
que o gotejador tradicional. Então temos a economia
de água aliada à redução de custos”.
Decisões extremas
Fabio Marin afirma que a atividade agrícola é uma das
mais arriscadas no aspecto econômico, e quem
depende do clima para produzir sofrerá quebras.
“Haverá perda no estado de São Paulo, a seca já
afetou os canaviais. O valor dessa perda ainda não foi
contabilizado. São muitas empresas grandes
preocupadas para saber o quanto vão colher”,
comenta. Ainda segundo Marin, a cana-de-açúcar é
relativamente tolerante a seca. “A cana consegue
sobreviver a este momento, mas mesmo produzindo,
será em menor escala. Parte dessa produção já está
comprometida”.
Tarlei Arriel Botrel diz que ainda existe outra forma de
pensar uma agricultura que atravesse crises como
essas sem muitas perdas. “A demanda por água ainda
não levou a isso, mas uma saída seria empregar o
que chamamos de irrigação com déficit”. O docente
afirma que toda planta possui uma quantidade
predeterminada de água necessária para sua
produção. “A planta possui o considerado
fisiologicamente ideal para produzir o máximo, mas
neste tipo de irrigação, é dado a ela menos do que
isso”, explica.
Mas ainda segundo Botrel, a irrigação com déficit
precisa passar por pesquisas e avaliações para definir
o quanto seria necessário de água para cada cultivo e
o quanto seria perdido economicamente. “Decorrente
de pressões como essa pela qual temos passado, a
agricultura vai ter que partir para um caminho como
esse. Se problemas como esses se perpetuarem,
teremos de fazer a irrigação com déficit, o que não é
normal hoje em dia”, conclui.
Campus sustentável
Luiz Fernando Novello, especialista em gerenciamento
ambiental e funcionário do Departamento de
Engenharia de Biossistemas, realizou uma pesquisa
abrangendo o campus Luiz de Queiroz da USP em
Piracicaba, para avaliar o potencial da captação de
água de chuva para fins não potáveis no período de
outubro de 2013 a março de 2014. Observando o
tamanho significativo da maioria dos telhados dos
prédios do campus, o objetivo foi identificar o quanto
estes telhados – em teoria – seriam capazes de
captar água da chuva.
Segundo Novello, para chegar ao resultado, foi
necessário avaliar três fatores – a área de captação, a
precipitação local e a demanda dessa água de chuva.
“Minha demanda por água foi a de fins não potáveis,
que são as utilizadas em vasos sanitários, mictórios,
irrigação de jardim, lavagem de calçada, tratores,
maquinários agrícolas e irrigação de pequenas
estufas, e também na parte de laboratórios, para fins
de uso em destiladores”, explica.
Para avaliar a área de captação, o especialista utilizou
as plantas baixas de vários prédios do campus. Para
avaliar a precipitação, Novello fez levantamento
estatístico dos dados do posto meteorológico da
Esalq. “Trabalhei com estes dados para determinar a
probabilidade de menor ocorrência de chuva em cada
mês”, conta.
Posterior às análises, Novello concluiu que a captação
de água e seu uso no campus era possível. “Durante
o período estudado utilizei 38% dos prédios da Esalq
somados com 100% dos prédios do Centro de Energia
Nuclear na Agricultura (Cena). No total, a área
analisada captaria 40% do consumo de água da Esalq
referente ao período de outubro a março”, afirma. O
especialista diz ainda que, no caso do Cena, por
serem edificações mais próximas e maiores, no
período chuvoso a água armazenada lá
corresponderia a 90% do consumo de água não
potável total da instituição.
No trabalho também foi sugerido que as próximas
edificações da Esalq sejam construídas pensando na
coleta de água de chuva. “A Esalq gera conhecimento
e difunde. Esta ação em relação a água de chuva
seria um exemplo a ser seguido por outras
instituições, assim como pela população”. Em
contrapartida, para uso residencial, Novello faz a
ressalva de que o aproveitamento só é viável em
residências se houver demanda por água não potável,
a não ser que seja feito um tratamento na água para
consumo em outras finalidades. “Aqui na Esalq, essa
demanda já existe, e os benefícios ambientais e
financeiros também foram comprovados por meio da
pesquisa”, conclui.